REVISTA MÉTODO ZELENY: TECNOLOGIA DE GESTÃO EXECUTIVA
A Indústria Faz a Mudança Cultural
Revista Método Zeleny: Tecnologia de Gestão Executiva
Como a Abrasipa, indústria paulista do setor químico, lidou com questões sensíveis como turnover, gestão de pessoas e processos para se manter líder mundial no setor.
A Indústria Faz a Mudança Cultural, Parte 3
O “Agenda Própria”
Um deles é o perfil do empregado com “agenda própria”. Trata-se do empregado que prioriza interesses pessoais em detrimento dos interesses da empresa. Nesta caracterização, o funcionário está mais preocupado com sua trajetória pessoal, age de forma a concentrar em si responsabilidades destinadas unicamente à sua própria ascensão na companhia. As ações podem ser variadas. Vão desde o empenho em atividades que sejam visíveis aos olhos da alta gestão – o “agenda própria” se empenha em enfatizar seu papel nos projetos relevantes – ainda, dedica muitas horas para politicagens com executivos de prestígio na empresa. Em sua maior parte, esse perfil estabelece relações de conveniência, das quais a legitimidade do vínculo com outros funcionários é, no mínimo, muito tênue. Tudo isso realizado em prol da autopromoção, mesmo que tais interesses estejam desalinhados com as da organização.
Este indivíduo é, antes, um perfil que opera de modo intencional e oportunista, valendo-se de qualquer vantagem pessoal – e ignorando códigos de ética ou regulamentos internos. Outra manifestação é a concentração de clientes ou contratos para si, e logo, tornando-se a única fonte de acesso, o que aumentaria o seu poder de barganha na empresa. No decurso de suas ações, o “agenda própria” faz exigências exageradas, sob a justificativa de que acumulou tempo de casa contribuindo para o desenvolvimento da empresa. Na verdade, tal indivíduo esteve mais preocupado em cultivar contatos tendo em vista a manutenção do seu cargo. Ainda, ele emprega seu tempo para ampliar o poder pessoal no setor, dado que ele ostenta algum prestígio por ocupar cargo de gestão em grandes empresas.
Prepotência ou vaidade são outras particularidades deste funcionário. Tempo de casa é a principal bandeira para sustentar sua posição na empresa. O depoimento a seguir descreve o caso de uma executiva brasileira que foi repatriada após longo período no exterior. “Retornou da matriz na Alemanha, não para ocupar cargo superior ao que ocupava. A repatriação partiu de um convite de uma conhecida de longa data, agora, em cargo estratégico. É recorrente ouvir no seu discurso as alusões aos ‘anos de empresa’.” O entrevistado afirma que a referida executiva foi rebaixada quando era funcionária da matriz devido à falta de competência técnica, razão que a obrigou a investir em outras posições em filiais estrangeiras. Ele narra algumas peculiaridades da executiva: “No seu andar, pisa forte e olha torto para qualquer um que cruze seu caminho. Não gosta de conversas longas. Sua frase de bolso é ‘você sabe com quem está falando?’ – sempre dita em nítido e audível volume”.
Este indivíduo é notório por firmar alianças, consequência do tempo acumulado na empresa. Por vezes, pode-se valer de amizades para a permanência no cargo, independentemente do nível de competência específica. Os anos de casa dão a compreensão de como a empresa funciona, seja ao lidar com processos ou pessoas. O astuto funcionário percebe lacunas e aprende a como se movimentar na organização. Uma vez que conhecimento técnico não faz parte do repertório, a frase típica dele é “eu gosto de colocar as pessoas em contato”. Logo, ao se estabelecer no centro das relações, por um lado, demonstra que faz algum tipo de trabalho, mas, por outro lado, institui seus próprios mecanismos, o que gera um ambiente de risco para a condução dos negócios. Na ausência de regras que regulem procedimentos ou imponham limites, aumentam as incertezas na gestão (quadro disponível na versão completa).
Uma das situações mais arriscadas para a empresa é quando o oportunista ocupa cargos de liderança. Neste patamar, o empregado busca estabelecer suas próprias regras a fim de atingir seus objetivos pessoais. Trata-se de um líder dominador – não poupa esforços para impor seu comando. Para estabelecer suas ações, o líder oportunista procura cercar-se de pessoas que corroborem com suas práticas. Ele busca manter consigo somente aqueles que aceitam a submissão. Trata-se de uma liderança opressora, é nítido quem detém a autoridade. A obediência acontece a partir de quaisquer instrumentos disponíveis, que vão desde a avaliação direta (em que o líder premia a submissão), até o descarte de qualquer funcionário sob qualquer justificativa. Nesta situação, os integrantes do departamento talvez não tenham outra saída senão seguir as determinações impostas pela chefia – obviamente, se quiser continuar empregado.
Outro indício é o líder tornar-se o protagonista absoluto do departamento. Para tanto, é comum este se apropriar das ideias e realizações dos integrantes da equipe. “A gerente executiva solicitava um relatório das atividades semanais, a ser enviado até a quinta-feira à noite. Na sexta-feira, ela reservava o dia para redigir um e-mail contendo todas as realizações do departamento. O destino era o vice-presidente, obviamente, assinado pela gerente executiva, que dirigia todos os holofotes para si própria, sem fazer constar a contribuição específica dos membros gabaritados da equipe.” (Caso declarado por uma gerente de compliance, ao tratar de sua superior em uma multinacional de bens de consumo.)
Quando o assunto é criar falcatruas, chefes acarretam vasto repertório: fraudes contábeis, superfaturamento, maquiagem de balanços, vantagens pessoais; qualquer desvio de recursos. Além destes, há outros artifícios tramados pela audácia infinita de executivos com intuito de satisfazer seus caprichos.
Entre eles, é corriqueira a contratação de “conhecidos”, casos de apadrinhamento dentro de equipes, o que, sem dúvida, é sabido pelos demais colaboradores que não podem cogitar prestar queixa. “A head de marketing colocou o namorado em contato com a gerente e comigo, numa reunião on-line. Na ocasião, orientou-o a esconder o relacionamento para que o compliance não detectasse qualquer indício de favorecimento”, curioso depoimento do estagiário de um conglomerado global do setor agrícola.
Tal comportamento oportunista não segue rigorosamente uma estrutura formal. Grupos além do quadro hierárquico são formados constantemente nas organizações. Tais grupos não precisam ser constituídos por executivos do alto escalão nem envolver equipes numerosas – basta que haja dois membros que partilhem as mesmas intenções para formular parcerias. Esses grupos informais se relacionam em encontros externos, o que torna incontrolável para o gestor. Por meio da influência individual, os grupos ganham poder e tendem a criar quedas de braço com a administração, seja para derrubar gestores ou defender seus próprios interesses. As ações podem manifestar-se diante da ameaça de paralisação das atividades ou até mesmo causando danos propositais nas operações empresariais – sejam atrasos, boicote ou greves. Com o tempo, contudo, esses expedientes podem desafiar a administração, tornando tal complexidade insustentável.
A grande dificuldade do administrador está em identificar estes tipos de situações. Isso vale tanto para os mecanismos no formato individual como em grupo. Lidar com a complexidade, pois, não é resolver, e sim, controlar. Para lidar com tamanha complexidade de situações, o Método Zeleny se apresenta como forma de tratamento para tais problemas críticos.
APLICAÇÃO DO MÉTODO ZELENY
Os problemas enfrentados pela Abrasipa iam além do baixo turnover e o peso da elevada folha salarial. Partiu-se do problema da baixa rotatividade da mão de obra para reestruturar todo um contexto problemático dentro de um novo modelo de gestão. Para pôr em prática, era urgente a mudança cultural da empresa.
Este é o típico desafio aceito pela Tecnologia Zeleny: proporcionar o mapeamento completo das relações sociais. O intuito é documentar os laços entre os funcionários em todos os níveis hierárquicos, a fim de registrar situações, desde oportunidades de melhoria, problemas invisíveis ou qualquer situação inacessível para a alta gestão. O mapeamento abrangeu todo o quadro de funcionários da empresa, desde os mais altos níveis hierárquicos até trabalhadores terceirizados. Igualmente, cada etapa do processo fabril e administrativo foi modelada, inclusive os serviços de apoio. A estrutura social da empresa foi desenhada para apurar o verdadeiro funcionamento da organização pela óptica da Ciência das Redes.
A primeira etapa para qualquer mudança cultural está na identificação das resistências. Não é uma tarefa rápida, tampouco indolor. Cultura organizacional remete à sua própria história: emerge de práticas cotidianas, mesmo que abusivas ou em descompasso com as metas programadas, seja pelo mero fato de que, em algum momento, tornaram-se perdoáveis ou até habituais na rotina empresarial. Quando o empresário perde tal controle, sobrevém o maior ônus para o desempenho e fatalmente, comprometerá o futuro da empresa.
Na tentativa de mudança, busca-se extinguir comportamentos nocivos e outros que afetem o desempenho. Na Abrasipa, o maior ônus estava na altíssima folha salarial. Composta por funcionários antigos e outros especialistas em tarefas pequenas (com altos salários pelo tempo de casa), gerava ineficiência para toda a estrutura. Soluções simples como demitir todos os altos salários ou funcionários antigos, além de inapropriadas, agravariam ainda mais o problema: grande parcela do know-how estava depositada nesses trabalhadores. Se eles fossem desligados, além de perder os processos internos, é bastante provável que a própria empresa abra caminhos para novos concorrentes.
Após o estabelecimento do mapeamento de rede, a tecnologia indica quais os pontos críticos da situação. Ao entender que numa rede (teoria dos grafos) as pessoas são vértices e as relações são arcos, são abordados os componentes que focalizam os pontos de melhoria. Uma vez que o know-how da empresa começa com conhecimentos pessoais e práticos, para o registro, a forma utilizada para identificar quem são as pessoas envolvidas é feita pela combinação dos índices do Método Zeleny. A interferência acontece ao acolher aqueles que podem ainda contribuir, quais são resistentes a mudanças e aqueles que são dispensáveis.
Como resultado, a nova gestão pôde avaliar aqueles que detinham ou até faziam proteção de conhecimento. “Havia quem se achava intocável. Após as demissões, contratamos líderes com visão mais profissional, conhecimentos de processos para acabar com qualquer tipo de centralização”, indica Daniel Leicand. Antigamente, se alguém causasse uma grande perda, a própria empresa bancava o erro. Um dos motivos, seria que o técnico que estava lá há muitos anos, ou, quem sabe, era o único que sabia como executar determinada tarefa. “Se ele errasse, nós aceitávamos, não só pelo tempo de casa, mas porque toda a estrutura estava comprometida”, acrescenta.
Para citar:
CONCER, R. (2024) Revista Método Zeleny: Tecnologia de Gestão Executiva. Relatório Anual. Disponível em https://www.ronaldconcer.com/