ARTIGO: PESQUISAS COM EMPRESAS: PORTAS FECHADAS
Pesquisa com empresas: portas fechadas
A resistência das empresas em colaborar com projetos de pesquisa põe em xeque idoneidade dos próprios gestores.
Por Ronald Concer
Dr. Ronald Concer
A Ciência da Decisão
Enquanto empresas não acolherem pesquisadores, não haverá forma de comprovar a aderência dos modelos: anos de desenvolvimento permanecerão como quadros teóricos abandonados em bibliotecas e gavetas.
Existe uma dificuldade ímpar em trabalhar com pesquisa científica no Brasil. Isso ocorre, principalmente, nas esferas empresariais. A dificuldade está, sobretudo, no acesso as empresas que, definitivamente, não estão disponíveis para colaborações em prol do desenvolvimento e melhorias nas práticas da própria área da qual pertencem.
Não se trata de episódio pontual, específico de algum setor ou formato da empresa. Tampouco é uma eventualidade deste ano. Os obstáculos para a coleta de dados sempre existiram, mas o acesso tem-se agravado na época atual.
O problema reside na obtenção de dados primários, i. e., aquelas observações nunca coletadas e que são registradas diretamente pelos instrumentos do pesquisador. A coleta acontece mediante questionários de pesquisa ou entrevistas. O pesquisador, ao portar hipóteses previamente criadas, vai ao campo para testar fenômenos ou averiguar a aplicabilidade de modelos previamente elaborados. De acordo com o método de pesquisa utilizado, muitas vezes o pesquisador usa o próprio campo para elaborar constructos ou hipóteses. Tal atividade é fundamental para expandir e aperfeiçoar instrumentos e processos empresariais. Como resultado, espera-se que um experimento de pesquisa traga melhorias para a ciência e as demais instâncias da gestão.
No Brasil, as barreiras são inúmeras. As portas para pesquisa em gestão estão fechadas. Frequentemente, pesquisadores dispendem mais tempo na busca por acesso às empresas do que na elaboração da própria pesquisa. Em especial, contatar líderes empresariais é uma tarefa praticamente impossível de atingir com empresas brasileiras. Mesmo com paciência para enviar convites via e-mail ou passar horas ao telefone - que constantemente são transferidos entre departamentos - fatalmente, o contato é direcionado para funcionários com posição hierárquica inferior. O pesquisador fica refém da benevolência de assessores ou funcionários, em geral, sem nenhum embasamento técnico. Por sua vez, há aquele que, ao invés de transmitir o convite ao CEO, tem a pretensão de julgar o trabalho do pesquisador. Dizeres como “vou avaliar e converso com ele” acontecem, pronunciados por assessores sem qualquer condição técnica ou cultural para ponderar as pautas de pesquisa.
Além disso, nota-se o desinteresse dos próprios executivos. Alguns alegam que a disponibilidade é restrita por problemas nas agendas. Após abarrotar o pesquisador com elogios parabenizando o trabalho, parte do discurso automático e hipócrita, mas, no fim, afugenta o entrevistador pois não dispõe de tempo para preencher um questionário. É visível que estes não estão ocupados o suficiente para se promoverem em redes sociais, seja postando fotos, respondendo comentários ou até contando os “likes”. Outrossim, certos executivos realmente estão com a agenda restrita, no entanto, envolvidos com “outras atividades”, dentro da organização, mas de natureza discordante ao cargo.
Outros executivos recusam a colaboração pois a temática da pesquisa aborda assuntos que vão além do seu raso repertório. Devido ao desconhecimento dos tópicos, eles se esquivam dos convites para não expor a falta de conhecimento ou até pelo receio de evidenciar sua baixa capacidade cognitiva. Ademais, ao se deparar com pesquisadores qualificados, eles não se comprometem ao participar pois os resultados previstos da pesquisa inevitavelmente revelarão as fragilidades da sua própria gestão. Inclusive, tais resultados documentarão o nível de incompetência daquele gestor frente ao cargo que ocupa. Existe, contudo, um grupo adicional que só recebe o pesquisador se o conteúdo “contribuir para a empresa”, como se a pesquisa científica fosse uma modalidade de consultoria à mercê de executivos, e, claro, a custo zero.
Dados primários são insubstituíveis para a evolução da pesquisa em administração de empresas. Classificada como ciências sociais aplicadas¸ a pesquisa em gestão somente assumirá o caráter “aplicado” caso haja a colaboração da principal parte interessada, em tese, a empresa. Enquanto diretores não acolherem pesquisadores, não haverá forma de comprovar a aderência dos modelos: anos de desenvolvimento permanecerão como quadros teóricos abandonados em bibliotecas e gavetas de pesquisadores brilhantes.
Cabe ao líder empresarial encarar a pesquisa como uma oportunidade excepcional de avaliar a efetividade da sua própria gestão. De outro modo, aos que preferem permanecer no formato tradicional de gestão, baseado em acordos informais que vão desde amizades ou práticas eticamente discutíveis, não esqueçam: ao contrário dos papers, o seu cargo, algum dia, terá um fim.