top of page
REVISTA MÉTODO ZELENY: TECNOLOGIA DE GESTÃO EXECUTIVA

Alto Desempenho, Liderança e Decisão

Revista Método Zeleny: Tecnologia de Gestão Executiva
A entrevista com Carlos Caetano Bledorn Verri, o capitão Dunga, tratando da aplicabilidade do Método Zeleny em equipes de alto desempenho.
Alto Desempenho, Liderança e Decisão, Parte 3

RONALD DE OLIVEIRA CONCER

Conte-nos um pouco sobre como construir equipes pensando no alto desempenho.
Eu assumi a Seleção Brasileira em 2006. No meu primeiro jogo como treinador, eu falei para os meus comandados: eu não sou treinador, eu vim aqui para construir uma história junto a vocês. Quem quiser amassar o barro comigo, estará na Copa do Mundo. Venha, constrói comigo a história, entrega qualidade e resultado. Vai comigo para a Copa do Mundo. Montei o grupo. Ganhamos Copa América em 2007, Copa das Confederações em 2009 e nos classificamos em 1º lugar nas Eliminatórias da Copa do Mundo. Nas vésperas da convocação para Copa do Mundo de 2010, surgiram diversos talentos no futebol brasileiro. Não faziam parte do grupo. E começaram as polêmicas: por que não convoca fulano? Eu posso tirar um jogador da minha equipe, e não tenho problema com isso. Mesmo que doa em mim. O problema não é tirar um jogador: se eu fizer qualquer mudança, eu perco o resto do grupo.


Não deve ser fácil tomar essas decisões em ambientes tão turbulentos.
Precisa ter coragem. Eu penso sempre no grupo. Quem vai me dar o resultado é o grupo, não é um só. E o treinador é que precisa ter, acima de tudo, coragem. O líder, para começar, não precisa ser o melhor do grupo. O líder deve ser um gestor – aquele que percebe melhor as coisas só com um olhar. É isso que diferencia o “líder” do “chefe”: o líder é aquele que vai extrair o melhor de cada um.

Ciência da Decisão

E convencer o grupo das tuas decisões não é por meio de autoridade.

Eu acredito muito em quem é líder “por exemplo”. Não há outra forma. O líder tem que dar o exemplo. Ele conquista seguidores diariamente. O líder vai te levar a lugares que tu jamais imaginaste que chegaria. Muitas vezes, o bom líder é aquele que consegue ver mais virtudes nos seus liderados do que qualquer um por si só. Mas, o líder também erra. Ele não é diferente dos outros e precisa saber pedir desculpas. Ele foi escolhido para executar uma função para o grupo – ele está ali para servir os demais.

O Social Adjustment Index indica o nível de adequação de cada integrante das equipes. É nítido quem compra a ideia do grupo e quem trabalha para si mesmo. No futebol, como isso se manifesta?

Há aqueles que questionam a liderança. Muitas vezes é pela luta para se tornar um protagonista. Se o protagonista for um jogador “fora de série”, saiba, ele precisará fazer a diferença todos os dias. Quer ser campeão? Quer ter a camisa tal? Entre em campo e resolva: é lá dentro. Se fizer isso, se for o melhor, tu vais mandar no time. Todos já viram grandes equipes e seleções serem derrotadas por isso: havia um protagonista e o “resto” do grupo. Esse grupo olha para um “protagonista” e diz “faça o teu que nós, grupo, fazemos o nosso”. Se alguém acha que tem a responsabilidade sozinho, pega a bola e se vira. No dia em que um protagonista percebeu que ele precisava primeiro do grupo, e principalmente, precisava trabalhar para o grupo, aí sim o grupo jogou para ele. E foi campeão.

O Zagallo dizia algo assim. Cada um aparece se todos aparecerem. Na tua empresa, haverá o dia de cada um. Cada um vai decidir um dia. Isso não entra na cabeça de muitas equipes ou do público – de novo, o latino-americano é muito emocional. Não há problema em ser um coadjuvante. Eu mesmo, quando era jogador, fui um coadjuvante, muito eficiente. Nós precisamos é sempre nos fortalecer.

Organizações não são formadas por pessoas, e sim pela relação entre elas, fundamental para a busca da eficiência.

É função do líder entender a relação com todos os comandados. E ainda saber como lidar com cada um deles. E isso se faz não com “achismo”, mas sim com método: escolher as peças que se encaixam. Não há diferenças entre uma fábrica e o futebol. Por exemplo, numa indústria pensemos num funcionário no chão de fábrica que talvez não seja o camisa 10 do time. Mas, esse funcionário entrega algum “sete”. É o que é pago para fazer. Entrega aquele “sete” todos os dias, durante o ano inteiro. Ele é muito eficiente no que faz. Eu preciso muito dele. Se ele não entregar, a empresa não funciona. Temos um outro funcionário, que supostamente é o camisa 10. Ele entrega às vezes um “dez”, outro dia, um “nove”, e outro dia, um “quatro”. Ele não é a sustentação da empresa. Ele só dá a cereja do bolo. O que precisamos? Se não valorizar a equipe, a empresa não gira. Às vezes a fórmula é muito simples, mas fazer bem o simples... é muito, mas muito difícil.

Por outro lado, tem profissional que não tem espaço nos grupos, seja por questões culturais ou amizades já estabelecidas. Às vezes o novo integrante ameaça aquele que já está lá. Isso se dá tanto em equipes quanto em novos métodos.

É, a palavra não é só “gostar”, “simpatia” ou “amizade”. É preciso avaliar o desempenho de cada um. O sujeito é bom? Ele vai me ajudar ou não? Vou te contar uma história da minha carreira como jogador: quando eu cheguei no Pisa em 1987, eu tive uma grande dificuldade para entrar naquele grupo. O grupo já estava estabelecido há sete ou oito anos. Eu tinha currículo, tinha qualidade técnica, já era da Seleção Brasileira, tinha isso, tinha aquilo. Mas, e daí? Do que adiantava tudo isso? Não me deixavam entrar. Como eu fiz? Competência. Precisei mostrar para todos minha dedicação, meu trabalho e como eu ajudaria o time a ganhar. Quando eu comprovei isso, fui aceito no grupo. Hoje, quando vou nas empresas... e no futebol é a mesma coisa, vejo claramente um problema de gerações. Quando trabalham na mesma geração, tudo funciona. Agora, quando misturamos 3 ou 4 gerações, os mais velhos, devido à experiência, acham que já sabem tudo. Os mais novos, pela formação, acham que inventaram a roda. Nenhum está certo. Mas, ao passo que relacionar ambos, vai realizar muito mais e com muito mais eficiência.

Conta mais como você fez isso.

Hoje a concorrência é muito grande. Mas, por exemplo, quando eu percebia que o treinador não gostava de mim, eu o estudava. O que ele não gosta? Eu vou me adaptar. Vence quem se adapta às situações. O livro é o mesmo para todos e o acesso é fácil. Mas, como mostra o Método Zeleny, as relações, não são iguais para todos e não são fáceis de identificar.

 

Ainda na figura da página 48, temos uma equipe com relações difíceis. Alguns são bajuladores, outros protegidos pelo chefe. É visível um grupo pouco coeso. Como lidar com conflitos em equipes desse tipo?

O que é comum é que no primeiro erro que acontecer na empresa, sempre querem identificar o culpado. Seja por relações pessoais, por questões técnicas etc. Nós não temos que achar culpado. Nós temos é que focar só na solução. Organize-se, reúna-se para isso. No momento que achar a solução para o problema e por acaso continuar querendo identificar algum culpado, vai encontrar, fácil. Mas não estaremos mais preocupados, não há mais sentido – já encontrou o resultado e assim fortaleceu o grupo. Nós só fortaleceremos o grupo depois de passar por um problema – o que na verdade é uma oportunidade de consolidar o grupo.

Agora, há quem pense em eliminar o Alpha. Independentemente de sua competência, o líder quer eliminá-lo por qualquer motivo. Talvez Alpha tenha cometido algum erro..., mas se tu não o eliminares, o líder ganhará o resto do grupo. Se por acaso cortassem a cabeça do Alpha, os demais pensariam “Alpha errou, mas ganhou uma chance. Talvez o líder faça o mesmo comigo.” Isso dá mais coragem para qualquer outro membro da equipe arriscar mais no trabalho: isso trará mais confiança dos membros com relação a quem está no comando da equipe.

 Por outro lado, pense no Alpha como um sujeito tecnicamente muito forte. Os que tem o perfil de “puxa-sacos” vão temer: “se algum dia eu errar, ele vai me cortar. Se o líder cortou aquele que era bom, imagina eu que só sei bajular?!”

Ciência das Redes.jpg

LEIA A
VERSÃO COMPLEXA

Ciência do Futebol.jpg

Outras vezes os integrantes da equipe trazem informações de fora do grupo para fazer estas escolhas, o que acentua o conflito.
Eu fui entender sobre gestão de crises quando me tornei treinador. Mas, eu já tinha vivido isso em 1998. Aprendi na prática e depois, nos livros. Em resumo, eu tenho autonomia sobre os meus jogadores. Não tenho controle sobre família, empresário ou outras coisas. Para lidar com conflitos, nem gaste energia com as variáveis que tu não controlas. Não adianta. Tu tens que fortalecer o teu grupo e ter confiança nisso.

 

Nas aplicações, houve casos registrados de muitas promoções sem mostrar resultado.
Naquela ilustração ali, se o Bravo é um sujeito que não rende, digamos que o líder queira ajudá-lo e o promova. É impossível: olha o resultado do sujeito, como vai justificar para os demais?  Pensando no alto desempenho, não tem como! Não faz o grupo girar. O Alpha vai falar com ele, e questionar o porquê ele promoveu.

 

Isso acontece o tempo inteiro nas grandes empresas: Alpha vai procurar outro emprego.
Tomar decisão, de novo, não é com base em achismo. Há quem diga “ah, mas todo mundo acha que ele é bom!” Decisão é tomada com base em estudo. Olha o desempenho do profissional: quantos gols nós tomamos com o ele? Tantos. Quantos passes ele acerta? Faz matemática simples para medir o desempenho!

 

Buscar pessoas comprometidas com o desempenho é um processo árduo.
Acontece muito no futebol. Tu chamas alguém para trabalhar contigo. Isso demora. Tu estudas, espera, e demora para tomar a decisão. Mas, na hora que tomares a decisão, aí não tem mais volta. Um estrategista, digamos, um teórico, pode chegar para a equipe e dizer que tem um plano A, B ou C. Se eu começar a executar o A, e falar para o meu grupo que eu tenho um plano B, eles não vão se concentrar em qual é o plano A. E se tem um plano B, deve ter um C e um D! Eles nunca estarão focados no plano. Por exemplo, os imigrantes italianos e alemães vieram para o Brasil no século XIX e colonizaram a região sul. Por que eles deram certo? Não havia um plano B! A passagem de navio era só de ida, era vencer, vencer ou vencer!

Capitão Dunga e a Ciência das Redes
Para tomar decisões individuais, precisamos é de método. É isso que justifica as decisões e melhora as escolhas.

O esporte nos inspira e ensina muito. Como é que empresas, grupos e líderes podem absorver essa dinâmica do alto

desempenho de forma constante?
Todo mundo tem a mesma situação. Vou te dar um exemplo no futebol. Todo mundo quer ser campeão. No começo do ano, faz contratações, todos tem metas. Fazem o planejamento. Mas e aí, como fará para chegar lá? O grande problema das empresas é a falta de processo e método. Alguém explicou o porquê fazemos tal e tal coisa? Por que alguém é promovido ou demitido? Como é que vai desenvolver o procedimento para isso?


As empresas, sobretudo, precisam de métodos. Nós podemos chegar lá, na meta, de muitas formas. Mas, o líder precisa explicar isso. É por capacidade? É só por amizade? Eu acredito em competência. Contudo, o líder precisa explicar o método para todos – pois, só ser competente não adianta, precisa fazer o grupo render. Não precisa usar uma faixa de capitão para isso. Precisa é de método.


Se o sonho é ser campeão, o sonho é inegociável. Dentro do sonho, tu podes ganhar, perder, persistir... vais precisar passar por cada uma dessas etapas. Vai ser preciso tomar decisões individuais. Para isso, é preciso ter método. O método justifica as tuas decisões e melhora as tuas escolhas.


Esse problema de falta de método está na própria educação. Quando a lagarta vai se transformar em borboleta, ela passa um tempo no casulo. Ela vai sofrer, chorar, bater as asas... ela está passando por experiências e se fortalecendo. Está tomando decisões individuais. Só ela pode tomar. Se eu abrir o envoltório para ajudar, ela não vai ter força para voar. Não vai sobreviver. As empresas precisam passar pelo mesmo processo: adotar um método robusto e passar por todas as etapas. Vai se aprimorar, melhorar as lideranças e tornar as decisões mais responsáveis. Não tem atalho. O método e processo são mais importantes do que alcançar a meta.


Durante este ano de aplicações, notei diversos casos em que grupos temem o líder. Hoje você falou muito de coragem nas decisões. Eu já constatei muitas vezes que liderança passa a ser sinônimo de força, levando à associação do mercado com selva e do líder, com predador, seja uma águia ou um leão.
Pessoalmente, o animal que eu gosto muito não é nenhum deles. Eu prefiro o lobo. Observe. O lobo, em primeiro lugar, não é dominado. Não vemos lobos em jaulas. O lobo não abandona sua alcateia, ao contrário, se porventura algum se perder, eles uivam para localizar o membro perdido. Ele escuta a todos, até o mais fraco. Já o leão, para ser o líder, mata a todos, inclusive leões filhotes da fêmea – isso para garantir o seu domínio. Os lobos vivem em família. O lobo se adapta: inverno, verão, selva, mar, neve... a sobrevivência dele depende disso. Quando o lobo está feio, ele rasga a própria pelagem – ele se reinventa o tempo inteiro. O que isso quer dizer? Tu não tens que eliminar ninguém. Tu nunca saberás de tudo, precisarás te reinventar todos os dias. Tu tens que evoluir e se tornar o melhor que puder. E a grande inteligência do líder é saber continuar sendo líder. Isso acontece buscando os melhores para trabalhar para ele.

Para citar:

CONCER, R. (2024) Revista Método Zeleny: Tecnologia de Gestão Executiva. Relatório Anual. Disponível em https://www.ronaldconcer.com/

bottom of page